MPF/RJ sustenta em parecer que bens não-operacionais da CSN pertencem à União
O Ministério Público Federal em Volta Redonda se manifestou, em parecer apresentado à 3ª vara federal de Volta Redonda, pela titularidade pública dos bens não-operacionais que atualmente estão vinculados à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A ação popular foi proposta em 2005 por Wanderley Alves de Oliveira e Maria da Graça Vigorito Bertges de Oliveira com o fim de questionar a validade de atos que tenham acarretado a alienação dos bens incorporados à CSN e pede a restituição dos bens não destinados a uma finalidade de interesse público ao patrimônio de entes estatais. (Processo nº 2005.51.04.003240-8)
O parecer do MPF foi elaborado após a realização, ao longo de 2015, de reuniões e entrevistas com pessoas que conhecem a história da cidade, bem como buscas em acervos municipais e cartoriais de Volta Redonda e Barra Mansa. “Este parecer tenta contribuir para um melhor entendimento sobre esta história e apresenta, ao final, conclusões sobre o patrimônio não-operacional da empresa e o seu caráter público”, registram os procuradores da República Julio José Araújo Junior e Rodrigo Timóteo da Costa e Silva, que o assinam.
Ao analisar o contexto de criação da CSN e a formação do Município de Volta Redonda, tomado pelo incentivo à industrialização pela ditadura do Estado Novo e pela conjuntura da 2ª Guerra Mundial, o MPF demonstra que Volta Redonda, que era distrito de Barra Mansa à época, foi pensada como uma “company town”, na qual a usina siderúrgica ocuparia um papel singular na formação e desenvolvimento da cidade. Para isso foi atribuído à CSN, que à época era sociedade de economia mista, um papel típico de outros entes estatais, como Estados e Municípios, por meio da construção de casas e logradouros, a instalação de infraestrutura, serviços de limpeza urbana e até a administração de matas, como a floresta da Cicuta.
A União autorizou a desapropriação de bens que fossem repassados à CSN para que esta desempenhasse serviços considerados de utilidade pública e de interesse nacional (art. 3º do Decreto-Lei nº 3.002/1941). Foi autorizado também o direito de desapropriação dos terrenos e benfeitorias necessários à construção, instalação e exploração da usina, e à construção e à manutenção, para seus serviços, de linhas de transmissão de energia elétrica, de linhas férreas, de estradas de rodagem, de cabos aéreos e outros meios de transporte, de vila operária e campos de esporte para o pessoal, e de matas para recreio e proteção de mananciais.
Ressalta o parecer que a aquisição dos bens pela CSN não se deu por mera compra e venda, pois os decretos de desapropriação já estavam em vigor e têm como consequência submeter o bem à força expropriatória do Estado, só cabendo ao particular contestar o preço oferecido. O tema chegou a ser objeto de análise de tribunais na época, tendo prevalecido o entendimento de que houve desapropriação, e não mera compra e venda.
Tratando-se de desapropriação, os procuradores sustentam que não poderia haver desvio quanto à finalidade pública prevista nos atos que destinaram os bens à CSN. Após analisar a mudança do papel da CSN ao longo dos anos, mesmo antes da privatização, tendo deixado de exercer prestação de serviços públicos ou atividades típicas de outros entes já na década de 60, a Companhia já não se dedicava a essas tarefas e passara quase que exclusivamente a orientar suas atividades para a sua atividade industrial.
Em 1967, a empresa previu a transmissão do patrimônio público da empresa estatal e os encargos decorrentes de manutenção das ruas, praças e outros logradouros ao Município, o que se concretizou em 01 de janeiro de 1968, quando foi feita o termo de entrega e o recebimento dos serviços urbanos. É nesta época que se criam órgãos com atribuições específicas (serviço autônomo de água e esgoto, por exemplo) e um código de obras para a cidade, bem como se constrói a rodoviária e há a expansão de equipamentos e do planejamento urbanos. Em 1973, o Município se tornou “área de interesse da segurança nacional”, com eleições indiretas para prefeito, o que fez voltar a prevalecer a centralização e a prevalência dos interesses federais, situação que perduraria até 1985, mas com forte ingerência até 1988, ano da greve em que três operários morreram.
Essa realidade singular perdurou durante a ditadura civil-militar mesmo após a assunção pelo Município de funções que antes incumbiam à CSN, uma vez que o tratamento de “área de segurança nacional”, a partir de 1973, conferia à região um olhar especial da União, com alto poder de intervenção. Ao mesmo tempo, a postura da empresa em favor de um paternalismo assistencialista e disciplinador evitava o acirramento das contradições e assegurava o aporte, ainda que pontual e condicionado, dos equipamentos da empresa estatal à cidade, como lugares públicos, parques, clubes, hospitais e a Floresta da Cicuta.
Diante desse cenário, o parecer destaca que a confusão de patrimônios até poderia gerar crise de atribuições entre os entes, tendo em vista as divergências quanto à condução dos serviços e da administração dos equipamentos e propriedades públicas, porém os contextos ditatoriais que permearam boa parte do período que antecedeu a democratização acabaram por afastar maiores embates e sempre asseguraram uma forte intervenção nas atividades do Município.
Assim, muito antes da desestatização a CSN já não titularizava os bens não-operacionais que estavam registrados em seu nome, porém os bens não haviam perdido sua afetação pública. “Afinal, foram destinados a uma finalidade pública por meio de decretos de desapropriação, estando a ela vinculados”, afirma o parecer. A não utilização destes bens em uma finalidade pública colocou em risco a validade dos atos de desapropriação, mas o caráter público (como bem de uso comum ou especial) deveria ter sido mantido. Diante disso, deve haver a reversão à União dos bens que não se encontrem na finalidade operacional de uma usina siderúrgica.
Segundo o parecer, a privatização posterior não interfere neste cenário, já que o desvio de finalidade ocorreu em momento anterior, restando qualquer discussão sobre valores e indenizações a outras vias. Além disso, o parecer considera que o patrimônio não-operacional não foi devidamente detalhado no edital de privatização, sendo de difícil aferição até os dias de hoje.
O parecer propõe ainda a adoção de medidas de urgência que confiram ao Poder Público a gestão compartilhada de certos bens, a fim de evitar que o uso indevido dos bens não-operacionais ou novas alienações causem risco de dilapidação do patrimônio público. Manifesta também a necessidade de o cumprimento da função social da propriedade, em atendimento ao disposto no art. 182 da Constituição, cujo conteúdo jurídico é determinado pela lei que estabeleceu o plano diretor de Volta Redonda, cujos mecanismos urbanísticos estão previstos nos artigos 85 a 95 (Lei nº 4.441/2008).
Assessoria de Comunicação Social